A máquina que lê pensamentos já existe – e está dentro do seu bolso!
A ficção científica permite a invenção de máquinas que parecem absurdas, como as que viajam no tempo ou as que são capazes de ler pensamentos das pessoas como no filme “Minority Report” (2002), do diretor Steven Spielberg, onde um sistema permite prever com precisão quando e quem está prestes a cometer um crime. Parece uma tecnologia muito distante, mas, na verdade, ela já existe.
Pensando de uma forma mais explícita, esse tipo de tecnologia que lê pensamentos está sendo desenvolvida para ajudar pacientes com ELA (esclerose lateral amiotrófica) a se comunicarem. Um estudo feito pela Universidade de Tubingen, na Alemanha, conseguiu registrar o pensamento de um paciente de 36 anos por meio de uma máquina. Com um chip implantado no cérebro, o homem treinou um computador para traduzir a sua mente.
Ao contrário da maioria com ELA, esse doente não conseguia se comunicar de outra forma, porque já tinha perdido todos os movimentos, inclusive dos olhos. No entanto, ele ainda ouvia o mundo à sua volta e seu cérebro registrava sua intenção de movimento. Assim, ele conseguia responder – dentro de sua cabeça – ao que escutava. Ele pôde formar palavras e sentenças em uma máquina treinada para ler seu cérebro. Contudo, ainda muito lentamente e de forma extremamente rudimentar.
Este experimento mostra uma máquina que lê mentes de forma mais literal, ou seja, traduz os pensamentos. Agora, outras tecnologias, como as aplicadas pelas redes sociais, podem prever comportamentos e até mesmo pensamentos mais complexos no nosso cotidiano.
Tudo o que você faz na internet, seja pago ou gratuito, pede acesso aos seus dados. E, quase sempre, todos nós aceitamos! É com essas informações (os dados) que grandes empresas conseguem prever decisões que os usuários irão tomar. Por exemplo, o Google já sabe que eu sou uma pessoa caseira, porque ele registra, por meio do Google Maps, que eu saio pouco.
Diversas pesquisas são feitas com dados do Twitter para prever, por exemplo, as tendências da bolsa ou o resultado de eleições. Esse tipo de leitura é uma leitura indireta de pensamento e consegue prever como um grupo de pessoas vai reagir a alguma coisa ou a algum acontecimento. Já vivemos essa realidade de máquinas que leem mentes, embora não seja tão perceptível na correria do dia-a-dia.
Na Coréia do Sul, um estudo usa dados de crianças nas redes sociais para avaliar fatores sociais relacionados à obesidade infantil, por exemplo. Na China, um estudo mostra que as mães que postaram selfie com o bebê têm mais chances de desenvolver (ou já apresentam) depressão pós parto. Em qualquer parte do mundo, a Meta, pelas interações em suas redes sociais, já é capaz de identificar quando um casal está prestes a separar.
Seja a máquina que lê pensamentos de pacientes ou os algoritmos das redes sociais, o desenvolvimento tecnológico foi o que permitiu o aumento da expectativa de vida, o acesso a vacinas, medicações e, inclusive, prevenção de doenças. Este mesmo desenvolvimento também trouxe à tona debates sobre nossos direitos fundamentais, já que a desigualdade faz com que nem todos tenham acesso e oportunidade de usufruir de novas tecnologias que podem ser essenciais. Por outro lado, o direito à privacidade da mente, por exemplo, e ao livre arbítrio entram na alçada de questões a serem discutidas.
A tecnologia vai evoluir e ela pode ser usada para coisas maravilhosas, como a comunicação de pacientes com uma doença neurodegenerativa, mas ela pode ser utilizada também para manipulação. Por isso, debater sobre o assunto é de extrema importância – e urgência.
Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro “Eu controlo como me sinto”, ed. Planeta.
Editado por Letícia Naisa, jornalista e pós-graduanda em divulgação científica.