Nobel que nos ajuda a entender quem somos nós

Nobel que nos ajuda a entender quem somos nós

Assim como a indústria cinematográfica tem o Oscar, a ciência também tem sua cerimônia de reconhecimento, o Nobel, com as categorias de física, química, fisiologia ou medicina e, mais recentemente, economia.

Neste ano, o biólogo sueco Svante Pääbo, 67 anos, é o único premiado na área de medicina. Sua pesquisa contribui para o entendimento da nossa evolução e a criação de um novo campo científico, a paleogenômica, o estudo da genética de espécies extintas.

Ele foi pioneiro em buscar responder à pergunta “quem somos nós” por meio do genoma – um tipo de “manual de instruções” para o funcionamento do nosso corpo – de outros hominídeos. Svante Pääbo foi o primeiro cientista a identificar o genoma completo dos neandertais, uma espécie bem próxima de nós, Homo sapiens.

Antes disso, ele descobriu outro hominídeo: os denisovanos. O nome vem de uma caverna que fica na Sibéria (Rússia), onde Pääbo e sua equipe encontraram um pequeno osso de um dedo de 40 mil anos no meio do gelo. Ali, incrivelmente, existe muito material genético bem preservado. Tratava-se de uma porção de DNA que fica dentro de uma organela chamada mitocôndria e como está presente em grande quantidade dentro das células, é mais fácil de ser encontrada e analisada.

Esse código genético que Pääbo descobriu não era igual aos de neandertais nem de sapiens. Em entrevista ao portal da revista Nature, ele relembra como, posteriormente, verificaram os denisovanos como “irmãos” dos neandertais, ambos nossos “primos”.

Mas seus estudos sobre as origens humanas começaram ainda antes. Desde criança, ele se interessava muito pelas múmias egípcias. Nos anos 1990, tentou sequenciar o DNA de algumas delas, mas, naquela época, os materiais genéticos estavam contaminados por microrganismos e DNA de humanos modernos. Muita gente desistiu de fazer esse tipo de análise, mas ele perseverou até melhorar as técnicas. E foi assim que, com métodos mais modernos, pode identificar o genoma dos neandertais e dos denisovanos.

Sua equipe mostrou que, quando os Homo sapiens saíram da África, esses dois outros hominídeos já habitavam a Eurásia – os denisovanos, mais a leste, e o neandertais, mais a oeste – e, por algum tempo, coexistimos e nos misturamos com eles. Por isso, os humanos modernos da Europa e da Ásia têm entre 1% a 4% de genoma neandertal, enquanto as populações do leste asiático e da região da Melanésia, a Oceania, têm até 6% de genoma denisovano. Nosso genoma, portanto, tem muita diversidade.

São essas heranças que explicam algumas características da fisiologia humana. É por causa dos genes denisovanos, por exemplo, que os tibetanos conseguem sobreviver em altitudes tão extremas. Já os genes neandertais nos ajudam a entender a resposta imunológica a diferentes tipos de infecções. Logo, podemos entender melhor nossas doenças.

Em artigo científico publicado na revista Science – cerca de um mês antes de receber o Nobel –, o grupo de Pääbo identificou genes nos Homo sapiens capazes de criar muito mais neurônios no desenvolvimento cerebral inicial do que nos neandertais. Apesar de termos cérebros de tamanhos parecidos, essa característica pode ter nos dado vantagens fundamentais para nossa sobrevivência. Por isso, não temos mais a certeza de sermos os responsáveis pela extinção desses hominídeos. Esses estudos buscam entender melhor essa parte da nossa história.

Svante Pääbo é filho de um outro vencedor do Nobel. Em 1942, seu pai, o bioquímico Sune Bergström, também na categoria de medicina. Diz o ditado que “filho de peixe, peixinho é”, mas, no caso de Pääbo, filho de Nobel, Nobel também.

Os laureados pelo Nobel recebem quase cinco milhões de reais. O dinheiro vem de uma fortuna deixada pelo cientista e empresário sueco Alfred Nobel, o inventor da dinamite. Desde 1901, centenas de cientistas foram premiados – sendo, nas categorias de ciências duras e economia, apenas 25 mulheres.

 

Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro “Eu controlo como me sinto”, ed. Planeta.

Editado por Letícia Naísa. Foto de Frank Vinken em Nomis Foundation.

Written by Feitosa-Santana

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