A depressão na mídia caça-clique: Da serotonina aos cogumelos

A depressão na mídia caça-clique: Da serotonina aos cogumelos

Antes da pandemia de coronavírus, o Brasil era o país com o maior índice de pessoas com ansiedade do mundo – cerca de 18 milhões – e o terceiro maior em depressão – 11 milhões. Juntos, portanto, os dois diagnósticos estão presentes em quase 15% da nossa população. Os problemas de saúde mental são quase uma pandemia à parte no mundo todo, especialmente no Brasil.

Em uma análise mais recente, de junho, os diagnósticos de depressão aumentaram 41% em 2022, dois anos desde o início da emergência sanitária. Neste contexto, em julho, um artigo publicado na revista Molecular Psychiatry gerou confusão ao apontar que a depressão não tem relação direta com baixos níveis de serotonina, popularmente chamada de hormônio da felicidade. E na mídia: muito barulho por nada.

O estudo é uma revisão sistemática, ou seja, uma análise de estudos prévios. Os pesquisadores investigaram os resultados de apenas 17 estudos realizados anteriormente e concluíram que não há evidência para apontar que a falta de serotonina seria uma das causas da depressão.

Falar em causas, no entanto, pode ser equivocado. A depressão é uma doença complexa. As causas, normalmente, são múltiplas e o quadro, heterogêneo. Existem diferentes combinações das doenças para diferentes pessoas que a têm. É como um câncer: em alguns casos, não precisa nem de tratamento, em outros, o tratamento é extremamente agressivo.

Com a depressão, acontece a mesma coisa. Existem as leves, moderadas e graves, com diferentes causas, diferentes sintomas e também diferentes tratamentos. Por definição, uma pessoa deprimida tem dificuldade de sentir prazer com o que antes gerava essa sensação. A depressão tira de alguém o bem-estar que era sentido antes da doença.

Fazendo uma analogia, podemos dizer que a depressão é como atravessar um túnel. Quando alguém perde um ente querido, um amigo, passa por um divórcio, tem uma doença, dívidas, fica desempregado ou insatisfeito no trabalho, essa pessoa pode entrar no túnel do sofrimento. Tem gente que é muito resiliente e consegue sair sozinho. Outras pessoas precisam fazer alguns ajustes, como atividade física, conversar com amigos ou com um profissional de saúde mental, e acaba saindo também – estes são os casos de depressão leve.

Agora, quando alguém não consegue sair do túnel, provavelmente, ela está com uma depressão moderada ou grave. “O oposto do lazer não é o trabalho, é a depressão” é uma frase do neurocientista Stewart Brown que define bem o que é essa doença, que, assim como outras, tem alguns fatores de risco como estresse crônico. Algumas pessoas também podem ter predisposição para desenvolver depressão, como acontece com o diabetes ou hipertensão, por exemplo.

É uma doença que também afeta mais as mulheres do que os homens – e elas têm mais chance de desenvolvê-la mais de uma vez na vida – por questões hormonais, como apontam alguns estudos. Nos EUA, estima-se que 1 a cada 3 mulheres terá um episódio depressivo até os 65 anos, frente à proporção de 1 a cada 5 homens.

Para identificar a doença é preciso ficar atento aos sinais, que podem ser mais claros, como problemas para dormir e cansaço. Mas, em geral, cada pessoa com o diagnóstico apresenta um conjunto diferente de sintomas. Não existe um exame de sangue ou um raio-x do cérebro que possa determinar quem tem ou não a doença.

Quando uma boa terapia não resolve, um remédio adequado pode recuperar os circuitos e ligações neuronais alterados na depressão. E o paciente migra de um viés mais negativo para um viés mais positivo da vida. Por isso, afeta outros neurotransmissores como dopamina, norepinefrina, noradrenalina, entre outros – e não apenas a serotonina.

Todas essas substâncias estão relacionadas com a depressão, mas não podemos falar em causas, já que elas podem ser muitas. Apenas 1 a cada 3 pessoas acerta de primeira a medicação. Às vezes não acerta nem na segunda tentativa, mas apenas na terceira. Outros são resistentes a qualquer medicação e, por isso, se qualificam para estudos experimentais. Apenas metade dos pacientes se cura em um ano de tratamento. 35% leva de três a quatro anos para melhorar. Os outros 15% podem ter depressão por até 20 anos.

O remédio pode ser parte do tratamento de uma doença que pode ter várias causas. Como apontou o psiquiatra Michael Bloomfield, tomar paracetamol para dor de cabeça não indica que há falta de paracetamol no organismo, mas as pessoas tomam porque funciona. Da mesma forma, os antidepressivos funcionam para tratar a depressão.

Após a remissão, seja com ou sem uso de medicação, o paciente nunca tem garantia de que ela não vai mais voltar. Quem já teve depressão tem chance de 50% de ter novamente – por isso, é preciso se manter alerta e buscar ajuda antes do quadro se agravar, como qualquer outra doença, pois o sofrimento pode ser abreviado e as chances de melhorar aumentam.

E os cogumelos mágicos? O assunto do meu próximo artigo sobre a depressão na mídia caça-clique.

Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro Eu controlo como me sinto, ed. Planeta.

Editado por Letícia Naisa, jornalista e pós-graduanda em divulgação científica.

Written by Feitosa-Santana

Leave a comment