O que a ciência sabe sobre a fidelidade: Amor de montanha ou de pradaria?

O que a ciência sabe sobre a fidelidade: Amor de montanha ou de pradaria?

Quando falamos de relacionamentos, tem uma palavra que frequentemente acompanha o debate: fidelidade. Acredite se quiser, mas existe pelo menos um componente biológico sobre o comportamento de quem é fiel. Em um estudo publicado em 2012, cientistas mediram os níveis de ocitocina em casais com três meses de namoro e em pessoas solteiras. Como esperado, os apaixonados apresentaram mais ocitocina do que os solteiros. Seis meses depois, pouco mais da metade dos casais continuava junto e os níveis de ocitocina foram medidos novamente.

Aqui, os resultados ficam interessantes: Os que permaneceram juntos tinham muito mais ocitocina no sangue do que aqueles que se separaram. Olhando em retrospecto, poderia ter sido feita uma previsão do futuro. Os pesquisadores dizem que, de certa forma, a ocitocina pode ajudar a promover a fidelidade dentro de relações monogâmicas.

Em estudos com ratos foi identificada uma relação mais ou menos semelhante. Ratos de pradaria são monogâmicos e têm receptores para captar ocitocina, enquanto ratos de montanha não praticam a monogamia e não têm os mesmos receptores. Basta, portanto, ter receptores de ocitocina para ser fiel dentro da monogamia? Parece que não, pois quando retirados dos bichinhos de padraria eles continuaram fieis.

Entre seres humanos, a situação é mais complexa. Primeiro porque muitos circuitos neurais são ativados por hormônios ou neurotransmissores quando falamos de relacionamentos amorosos, como vasopressina, dopamina, serotonina, endorfina e por aí vai. Em segundo lugar, um artigo publicado recentemente mostrou que experiências positivas de relacionamentos reforçam a conexão, o amor, a fidelidade à família, a um parceiro, enquanto experiências negativas enfraquecem essas ligações, mesmo que haja uma abundancia de receptores de ocitocina no cérebro.

De modo simplista, muitos se perguntam se há diferença no comportamento de fidelidade entre homens e mulheres, heterossexuais ou não. Quem trai mais?

A verdade é que está cada vez mais difícil bater o martelo sobre essa questão. Ainda é muito difícil medir o nível de infidelidade entre casais, porque, no passado, as mulheres tinham mais vergonha de admitir uma traição, enquanto os homens não tinham e hoje têm. Mas, uma boa fonte de dados sobre o assunto são pesquisas sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST), já que elas perguntam sobre a quantidade de parceiros sexuais.

Mas, mesmo assim, não são dados totalmente generalizáveis. Explico: a ideia de infidelidade pressupõe que existe um arranjo monogâmico e que a traição é, portanto, fazer sexo com alguém sem o consentimento do parceiro ou parceira. Mas em relacionamentos abertos, essa atitude não caracteriza infidelidade. Casos de separação momentânea também não têm infidelidade quando uma das partes transa com outra pessoa.

Algumas pesquisas conseguem medir o nível de infidelidade de homens e mulheres ao longo de gerações. Entre pessoas mais velhas, acima dos 65 anos, os homens dizem mais que foram infiéis, enquanto as mulheres menos. Já entre os jovens, os números são bem parecidos. A questão, portanto, é menos sobre gênero feminino ou masculino, e mais sobre geração.

Existe um mito de que “os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus” para dizer que o cérebro de homens e mulheres funcionam de formas muito diferentes. A ciência, no entanto, nos mostra que não é bem assim, principalmente quando o assunto é prazer. Ao observar o cérebro durante um orgasmo, os circuitos ativados durante o ápice são os mesmos, não importa o gênero nem a sexualidade da pessoa. O cérebro está muito mais próximo de um fígado ou de um coração do que de um órgão genital. Somos muito mais semelhantes do que diferentes. E as desigualdades, no fundo, parecem ser muito mais sociais.

Os homens se atraem por mulheres com quadris largos e mulheres por homens de ombros fortes, mas isso ainda faz sentido? Com os papéis sociais se aproximando mais do que se afastando ao longo do tempo, a questão de poder tem muito mais peso sobre os problemas dentro de um relacionamento do que a biologia.

A questão não é o machismo em si, mas sim onde está o poder. E, na nossa sociedade, está muito mais nas mãos dos homens – por isso, é machista, seja em relações heterossexuais ou homossexuais. Porém, somos muito mais iguais do que diferentes. Dizer que homem é mais racional é tão mentira quanto dizer que as mulheres são mais empáticas. Com muito poder, em geral, você sempre vai parecer mais racional e, certamente, menos empático.

 

Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro Eu controlo como me sinto, ed. Planeta.

Esse artigo foi editado por Letícia Naísa, jornalista com especialização em divulgação científica pelo Labjor na Unicamp.

Written by Feitosa-Santana

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