A Ciência por trás do #TheDress
A percepção de cores é relativa assim como a percepção humana em geral e fica fácil entender isso se usarmos preço como exemplo. O vestido em questão custa 77 dólares. Isso é caro ou barato? Depende. É irrisório para uma atriz de Hollywood, mas caro para uma mendiga em qualquer lugar do Brasil.
E o que o preço tem a ver com a cor? Da mesma forma que caro e barato depende da conta bancária de cada um, a cor do vestido também depende de como o cérebro de cada um funciona. No caso do #TheDress, as pessoas se dividem em duas categorias, dourado-e-branco ou azul-e-preto. A cor do vestido original é azul-e-preto, mas o que interessa é a foto que gerou um vestido muito diferente (ilustração acima) e os observadores se dividem entre azul-e-preto ou dourado-e-branco. Quem tem razão? Todo mundo.
Nosso cérebro vem equipado com um mecanismo que se chama constância perceptual. Para que serve isso? Para trazer um pouco de estabilidade para nossas vidas já tão conturbadas. No caso específico da cor, a constância é um mecanismo que está o tempo todo descontando as mudanças na iluminação para que a cor dos objetos se mantenha estável. Sem a constância de cor perceberíamos os objetos mudando constantemente de cor porque a luz emitida pelos mesmos – de fato – muda de acordo com a mudança na iluminação, seja natural ou artificial. Em outras palavras, não vemos diferenças onde elas existem e, portanto, “não vemos o mundo como ele é, mas sim como pode nos ser útil” como afirma Beau Lotto.
Alguns cérebros assumem que a iluminação é amarela e descontam essa iluminação percebendo o vestido azul-e-preto e outros assumem que a iluminação é azul e descontam essa iluminação percebendo o vestido dourado-e-branco. A simulação abaixo é a que melhor ilustra a diferença entre aquele que desconta a iluminação azul (esquerda) e aquele que desconta a iluminação amarela (direita).
Se a tarefa fosse decidir entre uma iluminação azul ou verde o vestido não tinha virado sucesso. Azul e verde não são cores oponentes e as diferenças teriam passado desapercebidas. Descontar a iluminação azul gera uma percepção onde predomina amarelo e descontar o verde gera uma percepção onde predomina o vermelho. Amarelo e vermelho são duas cores diferentes mas entre uma e outra existe uma infinidade de amarelos-avermelhados, amarelos-alaranjados, laranjas-avermelhados, entre muitas outras descrições similares que já estamos acostumados e não causaria nenhuma polêmica.
No caso do azul e do amarelo, que são cores oponentes, quando o cérebro assume um ou outro o resultado perceptivo difere completamente. Descontar a iluminação azul gera uma percepção onde predomina amarelo e logo as pessoas percebem dourado-e-branco enquanto descontar o amarelo gera uma percepção onde predomina o azul e as pessoas percebem azul-e-preto. Entre o azul e o amarelo não existe nenhum intermediário porque não existem azuis-amarelados ou amarelos-azulados e, portanto, nomeamos de amarelo ou dourado ou qualquer outro nome que não contenha azul ou, então, nomeamos de azul ou qualquer outro nome que não contenha nada de amarelo e é aí que reside a diferença gritante.
O que faz uma pessoa ver dourado-e-branco e uma outra pessoa ver azul-e-preto? Na minha pesquisa, 50% percebem dourado-e-branco e 50% percebem azul-e-preto. Se esse resultado for confirmado, a escolha entre ver dourado-e-branco ou ver azul-e-preto pode ser mero resultado do acaso orquestrando nossos cérebros assim como tirar cara ou coroa é também uma obra do acaso. Se minha amostra não for confirmada, a resposta mora em algum outro lugar e Drummond estava certo porque “cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua myopia”. Nesse caso, uma pesquisa mais adiante poderia nos ajudar a entender o que difere os que veem dourado-e-branco dos que veem azul-e-preto, mas de uma forma ou de outra, está todo mundo com a razão porque nossas mentes foram projetadas para ver um pouco mas não muito e isso varia de cérebro para cérebro.
A cor é muitas vezes pensada como uma qualidade do objeto ou da luz, mas isso não é verdade. A cor é um fenômeno mental determinado por processos neuronais e a luz é apenas o início desse processo que termina com a percepção de uma ou mais cores. A experiência do azul-e-preto ou do dourado-e-branco, assim como todas as outras cores, é uma construção mental.
A versão longa desse artigo pode ser lida em A Polemica do Vestido ensina: Nós vemos o que pensamos!
Claudia Feitosa-Santana é neuroscientista e especialista em percepção de cores com mestrado em psicologia experimental e doutorado em neurociências e comportamento pela Universidade de São Paulo, e pós-doutoramento em neurociências integradas pela Universidade de Chicago. Mora em Chicago e é atualmente professora da The School of The Art Institute of Chicago e da Roosevelt University.
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