Ônibus 174
Sempre ouvi sobre o sequestro do ônibus 174, mas somente agora tive a oportunidade de assistir o documentário “Ônibus 174” (2002), dirigido por José Padilha. Este incidente aconteceu em 12 de junho de 2000 e eu estava muito longe do Brasil e, por isso, minha ignorância sobre esta tragédia que não me surpreende, nossa sociedade é deprimente.
Sandro Barbosa do Nascimento “não é apenas pobre, com fome, ou condenado à pobreza, mas sofre da angústia constante de ser invisível, literalmente invisível. Brasileiros com casas e empregos vivem suas vidas enquanto são incapazes de ver as pessoas como Sandro, que existe em um universo paralelo (Roger Ebert)”. Adultos como Sandro tiveram uma infância violenta e/ou traumática, caindo facilmente nas drogas, furtos e roubos, assustando a classe média e alta brasileira que não sente nem um pouco responsável por eles e, na maioria das vezes, esses mesmos brasileiros também são contra a legalização do aborto, têm nenhuma intenção em adotar e estão – cada vez mais – lotando as clínicas de reprodução assistida.
Ele viu sua mãe ser esfaqueada até a morte. Pai? Nunca existiu. Ele tinha uma irmã e uma tia, a tia Ju (Julieta do Nascimento), mas ele fugiu – provavelmente – para esquecer o lugar onde testemunhou o assassinato de sua mãe. Viveu nas ruas como todas as outras crianças de rua. Esteve na FEBEM (reformatório) diversas vezes, um lugar onde não se aprende nada e ainda se sai muito pior do que entrou. A assistente social, Yvone Bezerra, fala dos sonhos do Sandro – ele queria encontrar um emprego e ter uma casa. Mais tarde, ele encontrou uma mulher que lhe deu uma casa e que ele começou a chamar de mãe (Dona Elza), mas ele provavelmente já estava tomado pelas drogas. O sociólogo Luís Eduardo Soares, interpreta o sequestro – com a situação dos reféns e da cobertura da repórteres – como o momento no qual Sandro sai de sua invisibilidade e, pela primeira vez, se sentiu visto.
O diretor Padilha, no paralelo, filma uma prisão lotada com suas celas super lotadas, comida estragada, água suja, doença. Presos que são esquecidos lá dentro. De acordo com Roger Ebert, “uma nação que permite essas condições não deveria se atrever a chamar-se civilizada.”
Ainda menos civilizado é o desfecho do 174: a polícia na tentativa de atirar em Sandro, disparou em uma das reféns, Geísa, e poucos minutos depois, Sandro foi intencionalmente estrangulado e asfixiado até a morte pela polícia – na frente de todos, dentro de uma viatura. Sandro ficou por 4 horas com o revólver apontado para os reféns e não atirou em nenhum deles até o momento final – quando disparou em defesa. Por outro lado, seus assassinos não apenas estão livre como ainda trabalham para a polícia.
Sandro foi um dos sobreviventes da Chacina da Candelária – quando sete crianças de rua e maiores sem-teto foram brutalmente assassinados nas imediações da Igreja da Candelária, onde costumavam passar a noite. O massacre ocorreu em 23 de julho de 1993. Dos 62 sobreviventes, pelo menos 39 foram posteriormente assassinados – incluindo Sandro. Vinte anos após o massacre, estamos ironicamente “celebrando” esse horror com as discussões sobre a redução da maioridade penal com cerca de 93% dos brasileiros a favor da redução de 18 para 16 anos. Os brasileiros não aprenderam nada, e ainda estamos dando as costas para essas crianças invisíveis e permitindo que eles se tornem criminosos e/ou exterminados pelo governo através da polícia. Uma nota: alguns dos assassinos do massacre foram condenados, mas já estão livres; outros dois nunca foram sequer considerado culpados.
O diretor “usa a tragédia como uma oportunidade para examinar a pobreza e o sofrimento dessas pessoas nas ruas do Rio de Janeiro”. O documentário “Ônibus 174” ganhou o Prêmio de Menção Especial da Anistia Internacional no Festival de Cinema de Rotterdam (Frederic e Mary Ann Brussat) “.
Sandro Barbosa do Nascimento teve seus “cinco minutos de glória”, mas certamente não como ele tinha sonhado. Sandro é uma das facetas mais importantes do Brasil. Temos milhões de Sandros no Brasil. Temos milhões de Sandros no mundo.
Apesar do fato de saber como Sandro iria morrer, eu passei o filme inteiro imaginando que ele poderia ter recebido um tiro por um snipper competente, que acabaria com sua vida em menos de 7 milésimos de segundo. Este mundo não é justo, sem sombra de dúvida. Para onde vamos?
Uma extensa análise sociológica foi escrita por Leandro Coelho Rocha.