Do Papel Jornal para Internet: O noticiário me faz mal igual.

Do Papel Jornal para Internet: O noticiário me faz mal igual.

Quando eu tinha 20 e poucos anos, estabeleci uma rotina de acompanhar as notícias diariamente. Eu já não suportava TV, morava num pensionato de freiras na Cardoso de Almeida e, antes de ir para o ponto à espera do tenebroso “Butantã-USP”, eu atravessava a rua e comprava a Folha – o jornal que as pessoas mais de esquerda confiavam naqueles tempos… Com essa rotina lá pelas 7 da manhã, horário nada condizente com meu biotipo, eu cheguei até a atropelar um fusca. Sim, eu atropelei e não fui atropelada. O motorista quase morreu do coração. Coitado. Sobrevivi.

Mais difícil foi sobreviver ao noticiário. Depois de não muito tempo, as notícias começaram a me fazer mal e, a cada dia, me faziam mais mal. Eu me sentia a cada dia com mais raiva. Então, decidi não mais ler jornal e me tornei uma pessoa “alienada”. Tomei a decisão de não mais ler notícias que ficavam velhas em 24 horas e passei a ler apenas livros e artigos científicos. Esse meu período de “alienação”, por mais incrível que pareça, me fez muito bem… porque me dediquei mais ainda aos estudos e me apaixonei pelas disciplinas de Fundamentos Sociais, eu fazia FAU. Cai de mergulho nas questões que desfilavam superficialmente nos noticiários e, toda formação de esquerda que havia recebido no Colégio Anglo de Campinas encontrou, então, um terreno super ultra fértil na minha vida solitária de FAU. Virei um ser muito de esquerda. Radical.

Abre parênteses.

E o que é ser de esquerda? De acordo com Deleuze, ser de esquerda é uma questão de percepção. O ser que NÃO é de esquerda começa pelo seu endereço, depois o bairro, a cidade e, assim por diante. Já a percepção do ser de esquerda começa pelo contorno, o mundo, depois o continente e, assim por diante, até chegar no seu próprio endereço. Ser de esquerda é acreditar que os problemas do terceiro mundo estão mais próximos de nós que os problemas do nosso próprio bairro. Ser de esquerda é ser/devir minoria – e não maioria. A maioria pressupõe: homem, adulto, macho, cidadão. A maioria é ninguém, é um padrão vazio. A minoria é todo mundo. Ser de esquerda é ser todo mundo.

Na prática, ser de esquerda é defender os direitos do grupo LGBT, defender o bolsa família, defender o tarifa zero, defender a cota para negros, defender o direito da mulher ao aborto, defender a não-redução da maioridade penal, defender os direitos dos índios, defender os direitos das empregadas domésticas, defender a vinda de médicos cubanos e, muito mais.

Fecha parênteses.

Agora, 20 anos depois e com o noticiário na minha cara, quer eu queira ou não, me vejo novamente na mesma situação. Revoltada. Raivosa. E, pior, mais agressiva. Sei que não estou sozinha. Tenho um amigo que resolveu radicalizar e agora é somente besteirol no Facebook/Twitter. Ele disse que funcionou. Um outro, num desabafo em private message, disse que estava sentindo o mesmo… Uma outra desativou o Facebook faz mais de mês. Como sou conhecida por ser 8 ou 80, meu aprendizado é achar o caminho do meio. Coisa difícil. Mas chegou a hora de encarar esse problema que veio para ficar porque, na internet, a gente não escolhe a primeira frase que aparece na tela e ela pode tanto vir de um colega de esquerda e ser um prazer (para mim) como vir de um amigo de infância totalmente de direita e me irritar profundamente. Vale ressaltar que esse amigo deve ficar tão irritado comigo quanto eu fico com ele. Fato. Okay. Que fazer?

Sentar e respirar. Zazen. Voltei ao Zen. Meditar Sentada. Estou entrando no terceiro dia… e já deu resultado. Eu preciso respirar. Respirar para não internalizar as mazelas do mundo por que elas me enfraquecem e, se estou fraca, não tenho como fazer diferença alguma. Respirar para não me irritar com o pensamento de direita porque ele não vai desaparecer. Respirar para selecionar o que vou dar a cara para bater. Respirar para não comentar em post que não concordo e não dar reply em twits do mesmo naipe. Respirar. Respirar. Respirar Sentada. Zazen. Zazen todo dia. ZAZEN.

Written by Feitosa-Santana

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