Não vivemos uma epidemia de solidão, mas isso não significa que não precisemos nos preocupar
A solidão descreve o sentir-se só – um sentimento subjetivo, pois uma pessoa pode sentir-se solitária mesmo rodeada de pessoas. Mas o problema não é sentir solidão vez por outra, mas sim a solidão persistente, que não vai embora. E atenção porque as evidências que trago são surpreendentes.
Há tempos que as manchetes afirmam que estamos testemunhando uma “epidemia de solidão”, mas os estudos científicos mostram que essas manchetes estão erradas. Pode parecer contraintuitivo – eu mesma continuo surpresa, mas é justamente aqui que entra a importância da ciência, dos dados na realidade… porque é a romantização do passado que leva as pessoas a escreverem e replicarem manchetes que não são baseadas em evidência. Mas veja bem, não é porque não vivemos a tal epidemia da solidão que ela não é importante. Pelo contrário.
Mas antes… Hoje, muito mais pessoas vivem sozinhas, uma tendência global – da Angola ao Japão. Inclusive, eu noto aqui no Japão uma alta porcentagem dessas habitações para uma pessoa.
Menos de 10% das pessoas viviam sozinhas desde início da vida moderna até o final do século XIX. Depois, começou a aumentar… Em 2010, no Brasil, 12% das casas tinham apenas um morador… em Portugal 17%, no Japão 32% e na Suécia 41%. E continua aumentando… sem precedentes em nossa história.
E, talvez, justamente por isso, fazemos esse link intuitivo e equivocado entre solitude e solidão. Mas viver só e sentir-se só não são a mesma coisa. E essa diferença é crucial para entender por que não temos evidências para dizer que as pessoas sentem mais sozinhas agora do que sentiam no passado.
Ao que tudo indica, as pessoas passam a morar sozinhas quando é economicamente viável… o que explica a porcentagem mais alta em países mais ricos. E aqui entra a solidão, ou melhor, não entra… os menores índices de solidão estão nesses países – Alemanha, Dinamarca, Finlândia e por aí vai.
Infelizmente, as evidências mostram que a pobreza traz junto a solidão. Os países mais pobres são os mais solitários. Inclusive, onde hoje se encontram os maiores índices de suicídio. Um ato, inclusive, frequentemente impregnado de solidão. Eu sei que todos esses dados são contra-intuitivos – mas se é surpresa para você, saiba que foi para mim também.
Mesmo assim, a solidão é um fato. Está em toda parte. E as evidências não deixam dúvidas: faz mal a saúde. A solidão persistente pode encurtar a vida. Ou seja, solidão e doença estão associadas, aumentando as chances de mortalidade precoce em comparação a grupo de pessoas que não se sentem sós.
Então, como tratar a solidão? Estudo recente do governo britânico verificou que no curto prazo o mais eficaz é a terapia. Em particular, a cognitivo comportamental também conhecida como TCC. Mas o custo pode ser impeditivo. Por isso, muitos cientistas buscam entender a essência terapêutica cognitivo comportamental para que seja desenvolvido um protocolo de TCC para grupos online.
Depois… vem as intervenções para desenvolver habilidades sociais, as intervenções com arte ou dança para a inclusão social; interações com animais, atividades físicas e trabalhos voluntários em grupos… mas é preciso considerar o perfil de cada solitário, pois o que ajuda um viúvo pode não ajudar outro viúvo, o que ajuda um adolescente pode não ajudar um adolescente imigrante etc.
Por isso, cientistas querem identificar os diversos perfis solitários e qual ou quais intervenções tem mais chance de sucesso para cada perfil… Enfim, estamos na luta contra a solidão.
Quer saber mais? Algumas dicas:
Is there a loneliness epidemic?
Are people more likely to be lonely in so-called ‘individualistic’ societies?
Striving to connect
Loneliness, social isolation, and all-cause mortality in the United States