Livre arbítrio: Ilusão necessária?
Um homem de família de repente se transforma em um pedófilo… e começa a colecionar pornografia infantil, prostituir crianças, assediar a própria sobrinha, entre outros. Condenado por suas atitudes, ele pôde optar entre a prisão ou um programa de reabilitação para viciados em sexo e, obviamente, optou pelo programa… mas se mostrou incapaz de controlar seus impulsos. Na noite anterior a sua prisão, ele deu entrada no pronto socorro de um hospital e pediu uma ressonância de seu cérebro. Resultado: um tumor de tamanho considerável localizado em uma parte do cérebro responsável por regular o comportamento social que por sua vez inclui o controle de impulsos sexuais. Logo depois da cirurgia de remoção do tumor o comportamento pedófilo desapareceu. Algum tempo depois, o comportamento inadequado ressurgiu e uma nova ressonância confirmou a recidiva do câncer. Portanto, fica a pergunta: onde está o livre arbítrio?
Esse homem assim como o clássico caso de Phineas Gage e inúmeros outros de danos cerebrais que afetam diretamente o comportamento social contradizem a crença quase universal em livre arbítrio. E questionar a existência do mesmo abala toda a infraestrutura de nossa sociedade, do sistema legislativo ao judiciário, todos baseados no livre arbítrio.
Quer você acredite ou não, o seu cérebro decide o que você vai decidir meio milisegundo antes de você achar que está decidindo por você mesmo, ou seja, a sua mente recebe a decisão que vem do seu cérebro e não o contrário.
Mas qual é o problema em aceitar que praticamente não temos livre arbítrio? Well… as evidências científicas indicam que pessoas que não acreditam em livre arbítrio são mais agressivas, menos produtivas, mais anti-socias e, mais propensas a serem desonestas. Em outras palavras, não acreditar em livre arbítrio afeta o funcionamento cerebral que por sua vez modifica as atitudes que serão executados pelo dono daquele cérebro.
Vamos exemplificar. Dois pesquisadores resolveram se juntar para testar o quanto motivar a crença no determinismo ou no livre arbítrio pode afetar o comportamento humano. Eles dividiram os voluntários em dois grupos. Num grupo, as pessoas liam textos que endossavam o determinismo enquanto no outro grupo as pessoas liam textos que endossavam o livre arbítrio. Na sequência, ambos os grupos realizaram atividades onde eram expostos a chance de burlar (adquirir respostas do computador enquanto eram instruídas para resolverem elas próprias o problema). O que aconteceu? Os voluntários induzidos a acreditar em determinismo burlaram o teste enquanto os voluntários induzidos a acreditar em livre arbítrio não burlaram o teste. Eles estavam conscientes do porque decidiram burlar ou não o teste? De forma alguma! Seus cérebros foram influenciados pela leitura do texto e suas mentes agiram de acordo com essa indução sem se quer perceberem… Esse estudo é apenas um dentre dezenas de outros que chegam a mesma conclusão: o livre arbítrio é uma ilusão necessária.
PS: Esse texto foi baseado no capítulo Free Will: A Grand Illusion do livro Impulse: Why we do what we do without knowing why we do it escrito por David Lewis (2013, pp. 198-204) e no artigo The Value of Believing in Free Will: Encouraging a belief in determinism increases cheating escrito por Kathleen D. Vohs e Jonathan W Schooler (2008).