A psilocibina está ficando popular, mas o que a ciência sabe?
Infelizmente, ainda não temos evidências definitivas de que a psilocibina seja eficaz ou segura.
Antes de começar, quando substâncias psicodélicas estão em jogo, a microdose se refere a uma fração de uma dose regular – a macrodose, ou seja, muito menor do que alguém tomaria se quisesse “viajar” com essas substâncias.
É verdade que essa droga é usada há séculos por povos tradicionais e, ao que tudo indica, de forma cautelosa. E há décadas tem recebido atenção de cientistas que buscam novos tratamentos para transtornos de saúde mental. Algo necessário, uma vez que muitos são refratários aos medicamentos existentes no mercado.
Recentemente, foram publicados os resultados do que foi considerado o maior “ensaio clínico” com psilocibina para depressão no New England Journal of Medicine. Porém, é preciso ler com muita atenção o que está sendo dito ali.
Os voluntários foram acompanhados por 12 semanas. Divididos em três grupos com doses distintas (25mg, 10mg ou 1mg) junto de sessões de psicoterapia. O grupo com a menor dose, embora não seja propriamente uma microdose, foi considerado “o grupo controle” do estudo. Por isso, não há como avaliar o efeito placebo da droga sobre os pacientes desse grupo.
Você sabia que a eficácia de qualquer droga só pode ser determinada quando separada do efeito placebo – o famoso efeito da expectativa?
O mesmo ocorre com os efeitos colaterais das pesquisas que testam novos quimioterápicos. Por isso, muitos pacientes do grupo controle, por esperarem o mal-estar, sentirão mal-estar. Embora estejam no grupo placebo, esse efeito é o nocebo – o efeito da expectativa negativa.
Voltando ao estudo, todos eram considerados resistentes a tratamentos de depressão, ou seja, já haviam feito tratamento com pelo menos dois tipos de medicamentos que não funcionaram. Cerca de um terço daqueles que tomaram a maior dose de psilocibina apresentou melhora durante três semanas. Contudo, no fim do experimento, um terço já havia voltado para a medicação tradicional anterior ao experimento.
Olhando para os resultados gerais, eles parecem, sim, positivos. Reduzir os sintomas da depressão, uma doença que acomete muitas pessoas, pode ser uma boa notícia. Porém, ela não parece tão animadora quanto gostaríamos que fosse, pois os resultados são muito inferiores aos dos antidepressivos aprovados que existem no mercado.
Note que a psilocibina administrada nesse ensaio não é natural, mas sim uma versão sintética da droga. Esse detalhe pode passar despercebido, mas é de extrema importância. Cresce cada vez mais o movimento da anti-medicalização na busca por tratamentos mais naturais, mas somente a psilocibina feita em laboratório permite o controle sobre as doses e suas reações. Além disso, os estudos que conquistam o interesse popular foram patrocinados pela empresa britânica Compass Pathways, que não apenas criou a fórmula sintética da psilocibina como também a patenteou. Existe, portanto, interesse da indústria farmacêutica por trás desse tipo de estudo. Não é natural como as pessoas querem acreditar. Outro dado de extrema relevância e que também passa desapercebido: os autores desse e de praticamente todos os estudos positivos com a psilocibina têm conflito de interesse, pois seus autores são fundadores e sócios dessa indústria farmacêutica.
Outros estudos, também recentes, publicados na PlosOne e na Nature, mas ambos com microdoses, sugerem que as anedotas benéficas relatadas por seus usuários sejam resultantes do efeito placebo.
“Muitas pessoas compartilham a ideia de que a microdosagem com psicodélicos melhora o humor, a criatividade, a concentração, a produtividade e a capacidade de ter empatia com os outros. Ou os benefícios poderiam ser um “efeito de expectativa”? Isso significa que a maioria das pessoas que tomam uma pílula diária que esperam fervorosamente que as ajude a se sentirem mais felizes e inteligentes se sentirão mais felizes e inteligentes – apenas tomando a pílula, independentemente do que está nela.” – Peter Grinspoon.
Por isso, caso realmente se comprove eficaz, é mais provável que seja com as macrodoses. E, por ser alucinógena, exige controle rígido sobre o ambiente onde a pessoa vai consumi-la – o que pode encarecer muito o tratamento. E serão fornecidas pela indústria farmacêutica.
No estado do Oregon, nos Estados Unidos, foi aprovada a oferta de serviços de psilocibina in natura, ou seja, com os cogumelos, sem prescrição médica. Pessoas com mais de 21 anos poderão receber doses administradas por um “facilitador” licenciado. Cada tratamento, que não está sendo chamado de terapêutico, poderá custar cerca de US$ 2 mil, sem cobertura dos seguros de saúde. Essa decisão ilustra uma tendência mundial: aprovar tratamentos sem evidência científica.
Em resumo, podemos continuar investigando a ação da psilocibina. Além dela, outros psicodélicos estão sendo estudados para tratamentos de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, dentre outros problemas de saúde mental. Muitas outras pesquisas ainda deverão ser feitas. Há um longo caminho pela frente.
Hoje, quem opta por se tratar com psilocibina precisa ter a consciência de que, provavelmente, não sabe exatamente o que está consumindo e nem sabe quais serão seus efeitos a longo-prazo.
Em tempo: um dos episódios de “Como mudar sua mente”, da Netflix, pessoas com problemas de saúde mental relatam melhora depois de tomar “microdoses” de psilocibina, uma substância presente em “cogumelos mágicos”. Com ares de “documentário”, a série traz, na verdade, um desserviço em termos de ciência, porque não há quase nada de científico retratado ali. Foi inspirada no livro best-seller com mesmo nome, do jornalista Michel Polan, que já vendeu milhões de cópias e, decididamente, é a força motriz para que anedotas benéficas passem na frente de evidências científicas.
Toda informação deixa um convite para ser checada. Por isso, acesse também o artigo sobre microdoses e as macrodoses de psicodélicos no Harvard Health Publishing.
Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro “Eu controlo como me sinto”, ed. Planeta.
Esse artigo foi editado por Letícia Naísa, jornalista com especialização em divulgação científica pelo Labjor na Unicamp.