[A Lenda dos Muitos Brancos dos Inuits – Esquimós]
As pessoas em geral adoram aumentar os fatos num telefone sem fio – sem fim, e foi assim que começou a lenda de que os esquimós são capazes de perceber e/ou nomear muito mais brancos ou tipos de neve que a gente. Mesmo que a lenda já tenha sido destruída há décadas, algumas pessoas ainda acreditam!
A antropóloga Laura Martin passou um bom tempo na década de 1980 tentando desfazer a lenda sobre os esquimós (Inuits) e, após anos de luta, ela conseguiu publicar “Eskimos Words for Snow” (Martin, 1986). Este artigo deveria ter sido suficiente para a lenda sair de nossas vidas, mas não, e mais tarde Martin chegou a citar o número de termos do vocabulário esquimó para neve: “nove” em uma enciclopédia (Adams 1984), “cem” no editorial do New York Times (9 de fevereiro de 1984), e “200” em um programa sobre a previsão de tempo em um canal de TV em Cleveland (Pullum, 1989).
Todo mundo sabe que decoradores têm nomes diferentes para diferentes gradações de bege, e cabeleireiros têm nomes diferentes para diferentes gradações de loiro, marrom e preto – nada mais justo. Mas de acordo com o linguista Geoffrey K. Pullum – que trabalhou muito duro para destruir a lenda dos esquimós em The Great Eskimo Vocabulary Hoax, eles não são tão interessados em neve quanto reza a lenda. Para eles, a neve é algo sempre presente assim como a areia na praia. E até mesmo os loucos por praia tem apenas uma palavra para a areia.
Em 1911, o lingüista Franz Boas comparou os termos em inglês para água com os termos dos esquimós para a neve, afirmando que no vocabulário dos Inuits encontram-se 4 categorias de neve. Recentemente, em 2003, Larry Kaplan afirmou um pouco mais em “Inuit Snow Terms“. Mas para Pullum e Martin, temos que estar cientes de que o Dicionário da Língua da Gronelândia Ocidental Eskimo (Schultz-Lorentzen, 1927) apresenta apenas duas raízes possivelmente relevantes para a tipos de neve no vocabulário esquimó: qanik para neve no ar (floco de neve), e aput – para neve no chão. Todos os outros nomes são derivados. Isso é tudo.
Resumindo: a percepção em geral e, mais ainda a percepção de cores dos esquimós, é tal e qual a nossa. O vocabulário é um pouco diferente, mas muito longe de possuir dezenas e, muito menos, centenas de termos para descrever os diversos estados da neve.
5 Replies to “[A Lenda dos Muitos Brancos dos Inuits – Esquimós]”
Que orgulho da minha amiga!
Wow… um post de 2012 e só agora estou vendo. É a primeira vez também que vejo o blog. Muito legal.
Mas meu comentário não tem a ver com tempos e sim sobre o post propriamente. Comecemos pelo fato de que em relação à percepção de cor minha experiência não vai além da fotografia em preto e branco, coisa que faço há 20 anos aproximadamente, comprando filmes em latas, rebobinando-os, fotografando com câmeras mecânicas, uma delas sem fotômetro, revelando os filmes e fazendo as cópias no papel usando dois ampliadores,um difusor e outro condensador.
À parte o aspecto artístico, sem entrar em mais detalhes sobre a técnica, utilizo – uso e abuso – do controle tonal desenvolvido por Ansel Adams que vai do branco absoluto ao preto absoluto passando por nove zonas que por sua vez podem ser divididas em 2 ou 3, de acordo com as possibilidades das câmeras que temos à disposição.
Não me traz nenhum desassossego saber que as pessoas saudáveis tem a mesma percepção das cores. No entanto, com profundo respeito, me perturba um tanto ouvir alguma afirmativa ou mesmo sugestão de que efetivamente as pessoas percebem as cores e suas tonalidades da mesma forma. Não tendo o mesmo cabedal acadêmico da nobre blogueira arriscaria apenas a dizer que as pessoas tem apenas potencialmente a capacidade de perceber da mesma forma as cores e tons.
Não sei quantas cores ou nomes para neve os esquimós, conhecem, observam e catalogaram. A comparação com praia e areia não me parece apropriada, pois embora seja notoriamente visível que a areia tem inúmeros aspectos diferentes, o fato importante é que o aspecto da areia não nos sinaliza nenhum perigo, não havendo realmente necessidade de nomeá-la com nenhum rigorismo em suas nuances.
Mas deixemos a areia, olhemos para a água e ouçamos os pescadores. É notório também que o mar não tem uma cor apenas e sim que ele muda de cor o tempo todo, dependendo da hora do dia e do clima. Os pescadores percebem muito mais do que qualquer um essas nuances uma vez que sair para o mar em momento impróprio pode significar sucesso, insucesso e até a morte.
Reconhecer um tipo de neve que representa o prenúncio de uma mortal tempestade de neve com avalanches e outras manifestações naturais danosas é muito mais importante para o esquimó do que para nós reconhecer a cor e o aspecto da areia da praia.
Também não vejo como razoável acreditar que por ser potencialmente capaz de perceber as mesmas variações que reconhecem os esquimós em relação à neve ou os pescadores sobre a água do mar uma pessoa sem essa cultura vá perceber e vá andar ou navegar com a mesma segurança.
Da mesma forma em meu laboratório ou fotografando as pessoas não treinadas não tem como exercer o controle tonal das variações do cinza existentes entre o banco absoluto e o preto absoluto.
Por isso, com todo o respeito, vejo o post como reducionista da cultura, porque saber reconhecer as nuances daquilo que nos cerca é parte importantíssima da nossa cultura.
Adorei o blog e adoraria aprender mais sobre as percepções visuais das pessoas.
Obrigado e um grande abraço.
Olá Anselmo,
Um prazer ler seu questionamento!
Então, permita-me separar 2 coisas dentro da sua inquietude:
De um lado temos todos um equipamento cerebral muito similar e que não teve tempo suficiente para divergir muito no que tange a cognição em geral (que bom! assim não destruímos as raças mais sofridas! as minorias! etc.) e a percepção visual (em específico a visão de cores, mas leia meus textos sobre cores (color is in the brain, #thedress) para ver que sim! existem muitas diferenças individuais).
Por outro lado, o que você menciona é o treinamento, é a cultura influenciando o desenvolvimento de um indivíduo ou de um grupo ou de uma etnia. Lamarck estava enganado quando acreditou que as habilidades adquiridas em vida seriam passadas para seus descendentes. O que nós transmitimos é cultura, conhecimento, procedimento, treinamento.
Como você se utilizou como exemplo, vamos continuar com ele mesmo. A sua habilidade como fotógrafo e o seu treinamento o faz prestar atenção em detalhes que eu provavelmente não prestaria, mas que você poderia me treinar para perceber. Por outro lado, você não transmitirá essa habilidade para seus decendentes, mas eles poderão ser treinados para tal.
O erro relatado no post é muito sério por ser a ciência sendo deturpado pelo jornalismo sensacionalista e nada tem a ver com a cultura e a diferença da cultura Inuit com a nossa, por exemplo. Por favor, faça essa distinção.
Agradecida pelo seu questionamento e espero que tenha entendido que a pesquisa e o livro aqui mencionados não pretendem de forma alguma empobrecer as diferenças culturais.
Ficou claro?
Claudia Feitosa-Santana
Posts mencionados:
https://claudiafeitosasantana.wordpress.com/2012/04/06/color-is-in-the-brain/
https://claudiafeitosasantana.wordpress.com/2015/03/01/a-ciencia-por-tras-do-thedress/
Anselmo,
Mais uma explicação. Todos nós seres humanos que temos visão de cores normal (e não apresentamos deficiências) temos praticamente a mesma capacidade em notar diferenças entre estímulos cromáticos dentro de uma sala de pesquisa que visa avaliar a capacidade de discriminação de cores, seja um brasileiro ou um esquimó ou um chines. Por outro lado, somos criados de formas diferentes, em lugares diferentes, com habilidades profissionais diferentes, etc. Essas diferenças se refletem em nossa atenção, nosso interesse, nosso tudo e reside nessas diferenças (em alguma delas ou todas elas) a diferença na forma que percebemos o #TheDress.
Se ficar qualquer dúvida ou se vier novos questionamentos…
Estou a disposição!
Claudia.
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[…] Durante anos tive uma grande empresa como cliente, e entre suas linhas de produtos haviam sabões em pó. Os químicos que desenvolviam produtos trabalhavam com nomes diversos para definir tonalidades que eu, e provavelmente você, definiríamos apenas como branco. O mesmo se diz sobre os Inuits, ou eskimós. Embora esta seja uma história mais do campo do romantismo do que da realidade (leia). […]