Amor é isso, sexo é aquilo, mas o que vem primeiro?
Na vida humana, sexo e amor estão em toda parte. Basta ligar a televisão, abrir um livro ou entrar nas redes sociais. No cotidiano, sexo e amor estão relacionados: tem gente que faz sexo com quem ama e tem gente que desenvolve amor depois de fazer sexo. Mas, na evolução, o que surgiu primeiro?
A função do sexo é a reprodução dos indivíduos. Por isso, o sexo veio primeiro. É um ato que nos aproxima – e muito – dos animais. Mas, ao contrário deles, nós não fazemos sexo em público, por exemplo. Para nós, o sexo é igualitário: todos os humanos podem fazer e ter filhos. Outra diferença nossa para os bichos é que, para algumas espécies, só existe o sexo, já para outras – e para nós –, existe também o amor. Por isso, o sexo veio primeiro.
Os bebês humanos precisam de investimento dos pais para sobreviver e chegar até a maturidade, então existe isso que nós chamamos de amor. Para outros animais que têm a mesma necessidade de se unir para garantir o crescimento da cria. O casal permanece junto até, pelo menos, a cria ficar independente.
Seres complexos que somos, no entanto, nosso tipo de união vai além da sobrevivência das crias: nós cremos e buscamos o amor romântico. O historiador britânico Lawrence Stone descreveu a ascensão e valorização do amor como “a mudança de mentalidade mais importante do início do período moderno, possivelmente dos últimos mil anos da história ocidental”.
Um artigo publicado neste ano na Nature Human Behavior, porém, vai além do que diz Lawrence: o amor está presente na literatura há mais de 3 mil anos. Existe uma visão de que a vida de casal, o amor, a fidelidade, a monogamia e tudo o que envolve as relações afetivas existe como resultado das religiões, em específico, da Igreja Católica.
Mas este grupo de pesquisadores verificou que o amor romântico existe na literatura não apenas da Europa, mas também na China, na Índia e no Japão, por exemplo. O levantamento é de literatura produzida em 19 regiões geográficas no período de 3.800 anos.
O objetivo do estudo era testar a hipótese de Georges Duby, historiador francês especialista em Idade Média, de que a valorização do amor romântico está relacionada com o desenvolvimento econômico. Os resultados da pesquisa corroboram a teoria, já que as coisas de amor se intensificam na literatura conforme a região se desenvolve economicamente. Mas as descobertas do amor romântico presente na sociedade independentemente das religiões levantam mais uma pergunta: o amor vem da nossa evolução ou é puramente cultural, vem do ambiente?
Existem diversos estudos sobre como o cérebro apaixonado se comporta. Em um deles, publicado em 2012, cientistas observaram os níveis de ocitocina em casais recém formados e casais com mais de cinco anos de relacionamento. A substância é conhecida como hormônio do amor. Mas, na verdade, a ocitocina não surge apenas quando há paixão ou amor romântico – o amor a dois. Ela está presente quando as pessoas se reúnem com a família, com os amigos ou quando seu time de futebol ganha, entre outros. Por isso, prefiro identificar como o hormônio da família, já que está associado ao pertencimento, que vai além do amor romântico.
Entre os recém apaixonados, há uma explosão do sistema dopaminérgico, que garante sensações e percepções positivas, o circuito fica totalmente ativado. Já entre os casais com mais tempo de relação, não existe uma atividade tão intensa nesse circuito, porém, outros relacionados à segurança e à empatia vão ficando muito mais ativados, incluindo o serotoninérgico, por exemplo.
Isso mostra que o cérebro se adapta com o tempo de convivência e relacionamento, sugerindo que o amor pode ser um tipo de evolução também, tendo influências além das ambientais. Pensando em cenários, para que o amor floresça, é preciso um ambiente que o permita e o acolha. No filme mexicano “A noite do fogo” (2021), em que meninas mexicanas vivem em situação de perigo constante: são roubadas, sequestradas e abusadas, vivendo em um lugar que não permite que elas vivam o amor.
Nós nascemos para o amor, mas precisamos de desenvolvimento econômico para criar um ambiente favorável a ele. Parece piegas, mas, sem isso, o amor é apenas um sonho roubado.
Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago, doutorado e mestrado pela USP. Autora do livro Eu controlo como me sinto, ed. Planeta.
Esse artigo foi editado por Letícia Naísa, jornalista com especialização em divulgação científica pelo Labjor na Unicamp.