Querer é Poder… do Egoísmo do Gene a Transcendência do ser Humano
O ser humano é composto por um amontoado de genes. Esses genes são os responsáveis pelo homem apreciar tanto o próprio bem-estar e sofrer tanto com a própria dor. Eles também são responsáveis pela ajuda mútua entre parentes e quanto mais próximo o parentesco, maiores as chances de ajudar esse parente e, por isso, uma mãe está sempre disposta a se sacrificar mais pelo filho que pelo sobrinho, mais pelo sobrinho que pelo filho da vizinha. E assim por diante. O que está por trás disso tudo é o gene egoísta. Ele não pensa, apenas faz o que precisa ser feito para aumentar suas chances de ser replicado. O gene egoísta é um replicador. E um replicador quase imortal por que dura milhões de anos. Quem é mortal e dura poucos anos é o homem. É por causa desse gene que os homens brigam tanto e pouco fazem para ajudar um estranho, mesmo que muito necessitado. Mas o gene egoísta não tem controle sobre tudo e, provavelmente, o homem é o único animal desse planeta que tem consciência de ser fruto do gene egoísta e a capacidade de transcender o egoísmo desse gene. Somente o homem pode mudar as regras desse jogo por um Ser verdadeiramente Humano.
Pare por alguns segundos e busque dentro da sua memória algum trato rompido ou favor negado por um amigo. Pare por mais alguns segundos e tente lembrar qual foi a desculpa que você ouviu. [Se não estiver lembrando, faça o exercício inverso e pense em um favor que negou ou um trato que rompeu com um amigo…] Na maior parte das vezes, a desculpa dada para negar um favor e, mais ainda, para romper um trato, está diretamente relacionada a alguma necessidade própria ou de algum membro da família e, quando isso acontece, grandes são as chances de você se sentir com raiva ou, no mínimo, tratado com negligência.
Em um favor negado ou um trato rompido, normalmente a pessoa beneficiada é um parente e o prejudicado é um não-parente. O que está por trás dessa atitude é o gene egoísta, aquele que determina uma escala de prioridades de acordo com a porcentagem de genes que se tem em comum com os parentes. Quanto mais genes em comum, maior a probabilidade de beneficiar esse parente em prejuízo de um menos parente e, maior ainda, em prejuízo de um não-parente. No cálculo que define o beneficiado, ganha aquele que tem maior porcentagem de genes em comum. A lógica: beneficiar aquele que tem mais genes em comum aumentam as chances de preservar seu próprio gene.
Esse é um resumo simplificado de como funciona o gene egoísta, unidade central da teoria da evolução mais aceita pelos cientistas da atualidade, que tem sua raiz fincada na associação entre a seleção natural de Charles R. Darwin (1809-1882) e a genética de Gregor J. Mendel (1822-1882) e, foi sintetizada aproximadamente meio século após a morte de ambos. Desde então, vem sendo exaustivamente pesquisada em quase todos os ramos da ciência. O gene egoísta mostra que os animais não foram adaptados para preservar sua espécie, mas sim preservar os genes. Como Darwin já havia notado, a seleção natural favorece os genes que replicam melhor, os egoístas. Exemplos do gene egoísta em ação são encontrados tanto no reino vegetal quanto no animal e, com muito pouco esforço, você pode identificá-los na sociedade dos homens. De um simples trato rompido ao extremo de matar um enteado, são inúmeros os exemplos do gene egoísta falando mais alto no Homo sapiens sapiens.
O termo gene egoísta foi cunhado por Richard Dawkins e, apesar de algumas críticas, continua sendo muito utilizado na discussão sobre a evolução das espécies. Alguns autores preferem denominá-lo gene imortal ou elemento genético egoísta. De qualquer forma, vale notar que todos os autores são unânimes em afirmar que, apesar de denominar o gene como egoísta, ele não tem consciência e, portanto, apenas faz o que precisa ser feito para que seu gene seja replicado. Todos autores, incluindo o desse artigo, quando dizem que o gene é egoísta ou, por exemplo, o criador de algum mecanismo, não implica motivação ou conotação moral por parte do gene.
O gene egoísta é aquele que precisa replicar e quanto mais replicadores maiores as chances de êxito. Mas para entender o que é o gene egoísta, é preciso diferenciar o organismo do gene. No caso do ser humano, é preciso distinguir a pessoa dos genes que a compõem. Veja: João e Maria tiveram um filho, o Joãozinho que, por sua vez, não é um clone do pai, mas sim um pacote de genes composto por metade de genes provenientes do pai e a outra metade de genes da mãe. Portanto, o que Joãozinho tem em comum com João e Maria são genes.
Nesse pacote de genes, Joãozinho tem uma em duas chances de ter genes em comum tanto com o pai quanto com a mãe. João e Maria não queriam que Joãozinho fosse filho único e, como não moram na China, puderam aumentar família e tiveram uma menina. Joãozinho agora tem uma irmã, a Mariazinha, e tem novamente uma em duas chances de ter genes em comum com a irmã porque são filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Joãozinho e Mariazinha cresceram. Ele teve uma filha e ela teve um filho. Portanto, Joãozinho tem uma em quatro chances de ter genes em comum com seu sobrinho assim como Mariazinha também tem uma em quatro chances de ter genes em comum com sua sobrinha. Os sobrinhos, portanto, são primos e têm uma em oito chances de terem genes em comum entre si. Essa probabilidade na porcentagem de genes em comum cria uma escala de parentesco conforme a quantidade de genes em comum. Na genética desse parentesco não há nenhuma novidade, nenhum mistério e, difícil é encontrar alguém que não tenha esse conhecimento.
O que também não é novidade, mas muitos ainda não sabem, é que a escala de parentesco está diretamente relacionada à escala na predisposição em cooperar. Quanto mais genes em comum, maiores as chances de cooperação. Quanto menos genes em comum, menores as chances de cooperação. Mora nessa escala de motivação o maior investimento do gene egoísta e, poucos são os biólogos que não aceitam essa teoria: Os genes são egoístas por que precisam garantir a própria replicação. Os corpos não se replicam e, portanto, não deveriam ser egoístas. Dessa forma, os genes egoístas precisaram criar conexões neurais de prazer e sofrimento para regular as ações do animal e, assim, aumentar suas chances de replicação. É por isso que os animais apreciam tanto o próprio bem-estar e sofrem horrores com a própria dor. No quesito bem-estar, o homem nunca se cansa do auto-benefício: comprar, viajar ou qualquer outro consumo que não tenha fim. “Never is enough” é a melhor expressão para tal. Portanto, os genes egoístas precisaram criar circuitos nos quais o homem pode sentir bem-estar com o outro e, quanto mais genes em comum se tem com esse outro, maior o bem-estar e maiores as chances de cooperação entre eles e, então, as chances de replicação desse gene egoísta. Vale lembrar que o gene egoísta não tem consciência.
Seleção natural não é sinônimo de preservação da espécie e pensar dessa forma é um equívoco. Darwin já sabia disso, mas foi e ainda é freqüentemente mal interpretado. Se o objetivo-mor fosse a espécie, o parentesco seria irrelevante. E o que vemos no reino animal, inclusive na sociedade dos homens, é justamente o contrário. Na prática, é fácil verificar que toda mãe está sempre mais disposta a se sacrificar pelos filhos que pelos sobrinhos, assim como está mais disposta a ajudar seus sobrinhos que os sobrinhos do seu marido e, muito menos, os sobrinhos da vizinha. E assim por diante.
A verdade não é agradável e os animais não se importam com o que acontece com a espécie ou o ecossistema. No filme A Marcha dos Pingüins, o pingüim cujo filho não vingou, sofre pela sua perda ao mesmo tempo que não se importa nem um pouco com o filhote ao lado que está sendo dragado por um leão marinho. Esse mesmo pingüim tem medo de mergulhar em busca de alimento por que não tem como saber se ali existe um leão marinho que esteja pronto para atacá-lo. O que ele faz? Ele espera que algum outro pingüim com muito mais fome se arrisque e mergulhe ou, até mesmo, tenta empurrar os pingüins vizinhos com o intuito de verificar se aquele local está ou não livre de leões marinhos e, portanto, seguro para buscar o seu alimento.
Os pingüins tanto quanto os homens, não estão preocupados com sua espécie ou com o ecossistema. Pense nos homens, quantas pessoas você conhece que deixaram de fazer uma viagem internacional em suas férias porque preferiram doar a mesma quantia para retirar uma família da miséria ou qualquer outro sacrifício para beneficiar um desconhecido? Quantos casais você conhece que preferiram ser pais adotivos a serem pais biológicos? Em contra partida, é muito comum encontrar pessoas que não gostem de seu enteados ou, pior, enteados que se viram obrigados a sair de casa por serem vítimas de maus tratos do padrasto ou da madrasta. Em geral, os animais comportam-se de maneira egoísta em função de como seus circuitos emocionais foram desenhados. Circuitos esses que foram projetados pelos genes egoístas.
Como dito anteriormente, é preciso separar o egoísmo do gene do egoísmo da pessoa, mas como os genes egoístas construíram circuitos nos quais as pessoas tem mais prazer quando agem de acordo com o desejo do gene egoísta, elas acabam sendo também egoístas. Volte no exercício apresentado no início desse artigo. A maior parte das pessoas, quando em situações onde precisam escolher se vão beneficiar um parente ou um não-parente, são governadas por seus circuitos neurais que, em geral, fazem com que elas beneficiem o parente por que o bem-estar que sentem cooperando com o parente é muito maior comparado ao bem-estar que sentem cooperando com o não-parente. Para seu amigo, beneficiar a você em detrimento do parente teria um custo muito mais alto que beneficiar o parente em seu detrimento. E a escolha, muitas vezes automática e inconsciente, é baseada na relação custo-benefício. Agora, imagine uma mudança nos personagens desse cenário e o dilema do seu amigo não está entre beneficiar ao parente ou a você, mas sim entre beneficiar o parente ou o chefe. Se seu amigo beneficiar parente, ele corre o risco de ser retaliado pelo chefe. Se seu amigo beneficiar o chefe, ele corre o risco de ser retaliado pela família. Ele provavelmente optará por beneficiar o chefe e as chances de não ser retaliado pela família são enormes. Nesse dilema, quase todos os seres humanos beneficiariam o chefe. Por que? Se optar pelo parente, coloca em risco seu próprio bem-estar. E ele tem mais genes em comum consigo mesmo do que tem em comum com o parente.
Ninguém fica tão triste com a dor do vizinho como fica com a própria dor. Ninguém fica tão feliz com a felicidade do vizinho como fica com a própria felicidade. Mas se esse vizinho for um parente, quanto mais genes em comum, maiores as chances de existir empatia e, portanto, maiores as chances de sentir a tristeza ou a felicidade desse parente com mais intensidade. E essa é a essência do amor, sentir prazer com o prazer do outro e sentir dor com a dor do outro. Hoje, conhecendo o gene egoísta, é possível entender que a cooperação entre parentes ou entre pessoas com descendentes em comum equivale a genes ajudando a si mesmos, denominado seleção por parentesco. Então, se o amor que existe entre aqueles que tem genes em comum ou descendentes em comum é mero reflexo da seleção por parentesco, surge a pergunta: o amor nada mais é que um circuito neural criado para trabalhar em favor do seu criador, o gene egoísta? Ao que tudo indica: Sim!
Mas a cooperação entre pessoas com genes em comum, que corresponde ao gene ajudando a si mesmo, não é o único tipo de cooperação no reino animal e, principalmente, na sociedade dos homens. Cooperação entre pessoas sem parentesco também existe e a amizade é um exemplo. Quanto mais você coopera com seu amigo, maiores são suas chances de que ele coopere com você. E assim fica estabelecida a cooperação recíproca. Sob o ponto-de-vista do gene egoísta, pode ser bom que você tenha a capacidade de cooperar com um não-parente. Na prática, se o quanto você coopera com o seu amigo equivale ao quanto seu amigo coopera com você, vocês estão quites. Mas na matemática da amizade, ninguém quer ser abusado e, para isso, você precisa tomar cuidado com os trapaceiros. O trapaceiro é aquele que quer vender sua cooperação por mais do que realmente vale. Dessa forma, ele será mais beneficiado do que aquele com quem ele coopera. Um trapaceiro muito esperto é aquele que consegue vender, sucessivamente, suas cooperações por um pouco mais do que elas realmente valem. De acordo com muitos evolucionistas, a cooperação entre não-parentes parece ter importante papel na evolução humana e, Robert Trivers, em particular, sugere que os seres humanos são máquinas que foram adaptadas para trapacear, detectar trapaceiros e evitar que sejam vistos como trapaceiros. Na prática, é fácil verificar, basta observar o comportamento de qualquer criança… Não é a toa que a sociedade dos homens tem sua economia baseada no dinheiro e, também, seja recheada de leis, regulamentos, registros, certidões, contratos, fiscais, multas, etc. Tudo para evitar que os trapaceiros tenham êxito.
Ninguém quer ser trapaceado e são impressionantes as táticas que foram desenvolvidas ao longo da evolução para se proteger de um trapaceiro. Em boa parte do reino animal, as fêmeas, ao contrário dos machos, têm muito mais certeza de terem seus genes em sua prole. Dessa forma, machos de diversas espécies desenvolveram habilidades para garantir que não invistam em filhos de outros machos e, assim, não serem trapaceados. Um camundongo macho secreta uma substância química quando é cheirado por uma fêmea grávida para verificar se ele é mesmo o pai do bebê que ela carrega. Se ela não estiver grávida desse macho, o cheiro da substância secretada provoca aborto. Dessa forma, esse macho destrói seu potencial enteado e essa fêmea fica rendida para procriar apenas para ele. Pense na raça humana: a lista de atrocidades realizada pelo homem para controlar a fidelidade de “suas” mulheres é enorme. Por outro lado, sob o ponto-de-vista da fêmea, a maior parte delas não quer saber de machos interessados apenas na cópula e que não queiram colaborar na criação da prole. Portanto, em diversas espécies, a fêmea exige um longo namoro afim de verificar o quanto aquele macho está realmente interessado em investir na futura família. Recentemente, na sociedade moderna, foi desenvolvida mais uma técnica para detectar trapaceiros, seja homem ou mulher: o teste de paternidade.
Na década de oitenta, o mundo acompanhou um conto de fadas que acabou em tragédia. O conto era uma farsa e muitos eram os trapaceiros envolvidos nela. As opiniões se dividiram e quase todos ficaram ao lado de Lady Di. De acordo com o protocolo real, Príncipe Charles, que precisava de um herdeiro para o trono inglês, não poderia se casar com Camilla e, portanto, pediu a mão de sua namorada, Diana, em casamento. Lady Di, então, descobriu que não vivia um conto de fadas e que sua contribuição para o casamento estava apenas na “nobreza” de seus genes e não fez nenhum esforço para esconder do mundo que fora trapaceada. O ser humano não gosta de trapaceiros. Lady Di foi e continua sendo admirada por milhões e milhões de pessoas em todo mundo. Recentemente, o primeiro filho do casal, Williams, repetiu o casamento de conto de fadas e a escolhida foi Kate. A família real parece ter aprendido alguma coisa e não incentivou, novamente, a realização de um casamento baseado apenas nos genes. William e Kate foram motivados a namorarem por muitos anos e evitarem, dessa forma, outro escândalo que decepcionasse, mais um vez, aos fãs da família real britânica.
Na sociedade contemporânea, principalmente urbana e virtual, encontra-se um novo tipo de trapaça. Pense naquele seu amigo que é amigo de todos. Aquele que agrada o maior número de pessoas possível e que raramente entra em conflito e, claro, dificilmente toma partido. O faz apenas quando não tem outra solução e a escolha com quem cooperar é baseada naquele que ele vê a maior probabilidade em precisar cobrar o retorno de sua cooperação no futuro. Seja consciente ou inconsciente, o objetivo dele é sempre o mesmo: auto-benefício. Esse homem calcula o custo-benefício de qualquer escolha em cooperar pensando no futuro e, sempre, visando suas chances de se beneficiar da cooperação do escolhido em curto, médio ou longo prazo. Seu lema: investir em sua rede social. Você acabou de ser apresentado a um dos mais novos produtos do gene egoísta, o trapaceiro contemporâneo. Ele é um camaleão social, veste a personalidade necessária para se adequar ao ambiente, mas você nunca saberá realmente quem ele é e muito menos o que pensa.
Moral da história: os genes não têm moral, quem têm moral são os animais e, principalmente, os homens. Os genes não têm consciência, quem tem consciência são as pessoas. Os genes são potencialmente imortais, os homens são certamente temporários. Os genes vivem por milhões e milhões e milhões de anos, as pessoas por apenas alguns poucos anos. Os genes se replicam, os homens morrem. O gene não aprende, ele apenas se replica. O homem aprende, mas leva para a cova o seu conhecimento, ou melhor, levava! Na sociedade oral, os homens viviam um eterno telefone sem fio e o conhecimento podia se perder facilmente. Mas o ser humano, diferente dos outros animais, inventou a escrita e, desde então, se vingou da morte. Com a escrita, possibilitou o registro do conhecimento adquirido. Portanto, com a morte vingada, o conhecimento construído por Darwin e Mendel estão eternizados e possibilitaram o desenvolvimento da teoria da evolução aqui apresentada. Darwin teve descendentes e alguns também contribuíram para a desenvolvimento dessa teoria. Mendel, por sua vez, não teve filhos. E quem se importa? Ninguém. Seus genes foram embora, mas seu conhecimento permaneceu presente. Quando seus estudos foram redescobertos, muitos anos após a sua morte, eles possibilitaram o desenvolvimento de centenas de outros estudos que levaram ao entendimento, tratamento e, muitas vezes, a cura de diversas doenças genéticas.
O ser humano é o único animal na Terra que pode transgredir o totalitarismo de seus genes. O gene criou o homem e somente o homem pode se virar contra o seu criador. O homem, ao se rebelar, pode transcender sua natureza egoísta e utilizar seu livre-arbítrio para re-projetar o futuro da raça humana e do planeta Terra. Querer é poder.
Curiosidades:
Darwin teve 10 filhos com Emma. Desses, 7 chegaram a maturidade sexual, mas apenas 3 deles tiveram filhos e, juntos, deram-lhe 9 netos, que tiveram no mínimo 25 filhos que, por sua vez, tiveram no mínimo 34 filhos que, certamente, tiveram juntos muitos filhos e netos e, talvez, já tenham bisnetos. E esses representam os descendentes vivos de Darwin que estão entre a sexta e a nona geração. A sexta geração é composta pelos tataranetos e cada um deles tem uma em dezesseis chances de ter genes em comum com Darwin. A nona geração, por sua vez, tem uma em cento e vinte e oito chances de ter genes em comum com Darwin, ou seja, menos de 1% de chance.
Mendel, pai da genética, nasceu na Áustria alguns anos após o nascimento de Darwin, foi monge e cientista. Não teve filhos. Acredita-se que ele não tinha noção da importância de seus descobrimentos e, por isso, nunca tenha procurado Darwin para conversar.
Referências:
Burt A, Trivers R (2011) Genes in Conflits: the biology of selfish genetic elements. Cambridge, London: The Belknap Press of Harvard University Press.
Baldassari D, Grossman G (2011) Centralized sanctioning and legitimate authority promote cooperation in humans. PNAS Early Edition, June 20 [Epub ahead of print].
Raihani NJ, Bshary R (2011) Resolving the iterated prisoner’s dilemma: theory and reality. Journal of Evolutionary Biology, May 23 [Epub ahead of print].
Axelrod, R (2011) Lauching “The Evolution of Cooperation”. Journal of Theoretical Biology, April 22 [Epub ahead of print].
Dawkins, R (2006) The Selfish Gene (30th anniversary edition). New York: Oxford.
Pinker, S (1998) Como a Mente Funciona (traducão: Laura Teixeira Motta). São Paulo: Companhia das Letras.
Trivers, R (1971) The evolution of reciprocal altruism. The Quarterly Review of Biology, 46(1): 35-57.
28 Replies to “Querer é Poder… do Egoísmo do Gene a Transcendência do ser Humano”
Muito interessante!!! Obrigada
Obrigada pela leitura e o comentário, Desiree!
como fica o incesto nessa teoria?
Jorge, vou responder e ja volto! Claudia.
Apesar dos genes determinarem o parentesco, o que determina o vinculo afetivo entre parentes é a convivencia. Pense nos Kibutz. Por que deu errado? Porque muitas crianças sem parentesco eram criadas juntas e se sentiam todas parentes umas das outras. Em outras palavras, mesmo não compartilhando genes, elas desenvolveram um vinculo afetivo como se tivessem genes em comum. Dessa forma, era muito difícil haver interesse sexual para se continuar a procriação… Sob o ponto-de-vista do gene egoísta, o incesto por não-parentesco como, por exemplo, entre o padrasto e a enteada, nada mais é do que o homem querendo aumentar as suas chances de preservar seus genes. Por outro lado, o incesto por parentesco é uma outra historia visto que a consangüinidade não favorece a preservação dos genes, pelo contrario. Portanto, quanto mais próximo o parentesco, menores deveriam ser as chances de incesto… Muito provavelmente, uma pesquisa detalhada no numero de incestos no mundo vai apresentar uma prevalência muito maior de incestos por não-parentesco como, por exemplo, entre o padrasto e a enteada, assim como de incestos por parentesco distante como, por exemplo, tio e sobrinha, etc. Se não me engano, Steven Pinker já realizou essa pesquisa e chegou a essa conclusão!
Também por esse caminho conseguimos apontar alguns equívocos de Freud. Com todo respeito ao gênio que foi, no quesito incesto, ele se equivocou…
Para ler e opinar… A autora está aberta para discutir suas idéias. Eu sou suspeita mas gosto muito do artigo. Acho o conceito defendido muito interessante e verdadeiro. Acredito que nossa capacidade de interação com o outro funciona exatamente da forma aqui defendida. Está em nós a vontade de aperfeiçoar e desenvolver nossas relações de forma mais igualitária para atingirmos a justiça com mais segurança e abrangência.
Obrigada pelo comentário. Infelizmente muitos seres humanos não tem vontade de aperfeiçoar e, como digo, transcender o ser humano e, talvez, por isso mesmo temos uma evolução tão em doses homeopáticas.
Excelente artigo, Claudia!
Só uma pergunta: o que explica a atitude do gene egoísta quando se trata de uma mãe e dois filhos , no caso, uma mãe imparcial, amorosa e dedicada? São genes em comum e com mesmo grau de parentesco… Repare que, o filho mais problemático é sempre o que mais tem atenção dos pais, diferentemente do que ocorre no reino animal, através da seleção natural!
Impressionante a história do rato macho que, quando cheirado pela fêmea grávida, secreta substância abortiva se ele não for o pai!
Sonia,
Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Sobre sua questão, transcender o ser humano é investir no filho que mais precisa de ajuda, o que vc diz e “acha” que todas as mães o fazem, mas… veja comigo: no reino animal, é comum a mãe que escolhe um filhote para investir e abandona os demais que, na maior parte das vezes, morrem por que não recebem alimentação da mesma. Dentro desse contexto, o exemplo mais clássico são os pandas. A mãe panda escolhe um filhote e os outros morrem literalmente por abandono. Ao que tudo indica, sua escolha inconsciente é baseada no melhor filhote, aquele que indica ter mais chances de crescer e continuar preservando seus genes. Pensando no ser humano, não é muito difícil identificar as mães que se orgulham do filho mais bonito, mais bem sucedido, etc. e que se desfazem dos menos sucedidos com palavras e atitudes que podem comprometer ainda mais a auto-estima do menos favorecido. Pense em pessoas portadores de necessidades especiais… não houve o tempo em que as famílias os abandonavam? Por que? Por que esses tem muito menos chances de preservarem seus genes ou, no mínimo, mostrarem que a genética dessa família não é perfeita… Não houve o tempo em que as famílias escondiam o membro doente com vergonha? Eu mesma tenho um caso na família… anos se passaram sem contato para muito tempo depois sabermos que o problema era a vergonha por ter um membro portador de necessidade especial… animalesco não?
Adorei a pergunta.
Obrigada!
You told me about this already. Well written. I think humans like anything that looks more like them whether it is genetic, cultural, religious… we like to identify to something we strongly believe in… here in Canada we have families of new immigrants killing their own daughters because they do not follow the rules of the culture or religion, crimes of honour they say. In the US you have americans fighting for Al Qaeda who would kill their own brothers because they are infidels… our brains are stronger than the instinct of protecting the genes I think.
In the case of the immigrants, I easily identify the genes talking very loud… Like some other animals, males have to be sure of their paternity and that is the reason why these cultures raise their girls with rules to assure their virginity. They act like these because they cannot think, they just act strictly in a very primitive way, in the selfish gene level. I am not so sure if I understand what you say about Al Qaeda… if you say that some Americans are defending Al Qaeda who would kill other Americans, their brothers… well, that is not about genes… this is about nation, patriotism, etc.
Gostei. Basicamente, no “egoísmo dos genes”, cada um é egoísta e o egoísmo tenderá a replicar-se exponencialmente. Trata-se da análise de um fato (egoísmo como fato) e não de um sentimento. Este seria um plano subjetivo; aquele é objetivo e parte da constatação do inegável, o egoísmo, para informar que quanto mais os egoístas (indivíduos) procriam, mais tenderão ao êxito e, como em tudo, manterão os costumes de viver e sobreviver. E os milhões de possibilidades das combinações genéticas farão multiplicar em todas, e exponenciar, as atitudes mantenedoras dos que geraram aquelas combinações. Os genes, sem consciência, conduzem às combinações “vencedoras” e, por sua vez, os organismos formados por tais combinações, dotados de consciência e por isto indivíduos, tenderão à manutenção delas, ao procriar. E o “gene egoísta” é tão preponderante nas decisões que, inclusive, o indivíduo fará escolhas para auxílio (esperando recíproca) a quem nem tem genes comuns (estranhos), preterindo os de genes comuns (familiares) se o próprio interesse for melhor atendido na recíproca daqueles (estranhos), e não destes.
E VOU ESQUENTAR o comentário um pouco:
o “gene egoísta”, em indivíduo não egoísta, tenderá a multiplicar-se de qualquer modo. Se o indivíduo adotar atitudes altruístas, não egoístas, poderá fazê-lo por, assim, inspirar mais solidariedade e repetição da conduta em toda a comunidade, independentemente do parentesco, com o que a reciprocidade será muito maior e, portanto, será ele beneficiado mais ainda, o que conduziria ao “altruísta por egoísmo.” Se assim agir sem esperança de reciprocidade, e não for o indivíduo altruísta exitoso, os demais de seu meio não agirão como ele, por egoísmo, vendo que esta não é uma atitude pragmática, útil para a manutenção da vida e do êxito pessoal.
Em síntese: você colocou o tema do egoísmo em bases tais que pode ele ser estudado para “validação” matemática. Prepare-se: vai apanhar muito. Está escrito para leigos, mas haverá zilhões de críticas partindo do subjetivismo, dogmas e outras posições “íntimas”, lavradas no sentimento.
A premissa, para entendimento do que você coloca, é a de que está abrindo uma trilha limpa, com métodos mensuráveis, para estudo do tema, sem desconsiderar o subjetivismo e o que estiver no plano filosófico. De qualquer modo vai apanhar mais do que bater, e por um bom tempo.
Laerti,
É exatamente por ai mesmo… e aquele totalmente altruista tende a sumir do mapa rapidinho… mas, como diz Dawkins, somos os únicos que podemos transcender essa nossa limitação!
Obrigada.
E se transcender tais limitações genéticas o humano terá conseguido fazer descendência mais elevada, em vez de só mais evoluída e capaz de capturar comida antes dos outros. Então, teremos a fase do humano SER BOM POR UTILIDADE, geneticamente capaz e sem medo de agir assim, porque haverá reciprocidade entre estes, que serão exponencialmente multiplicados; depois, a fase do humano SER BOM REALMENTE, por já ter superado a fase do medo de não capturar comida ou não tê-la obtida pelos seus mais próximos, aos quais auxilia primeiro. É tão animalesco quanto verdadeiro. Mas confesso sentir um pouco de desalento ao pensar que ainda não chegamos à turma da primeira fase, a do “ser bom por utilidade.” Estamos é na zero: a do egoísmo por sobrevivência simplesmente.
E o que você teria a esclarecer a respeito do nepotismo dentro desta perspectiva?
De acordo com Ricardo Lewandowski, nepotismo é “o favorecimento de parentes por parte de alguém que exerce o poder na esfera pública”. Vou estender aqui o significado de Nepotismo para a esfera privada uma vez que não existe termo similar para a mesma. Se o favorecimento é dado a um parente, esse benefício é dado em detrimento de um não-parente que deveria tê-lo por mérito. Em outras palavras, o nepotismo pode ser definido como o benefício retirado de um não-parente em favor de um parente. Na esfera pública, prejudicar um não-parente em nome do parente é crime. O nepotismo é uma conseqüência dos circuitos neurais formados pelo gene egoísta e mascarado pelo nome amor.
Cláudia, acho que aqui chegamos ao ponto em que a teoria do gene egoísta se reflete na política. Enquanto o nepotismo na esfera pública é inadmissível, por ser como o nome diz “pública”, na esfera privada ele se justifica, não havendo lei para puní-lo. De fato, isso só é viável onde a propriedade privada é moralmente aceita, como direito que está acima do direito de uso ou necessidade de terceiros. Entendo que é na política que começa então a batalha de “memes” (reflexo “cultural” do pool genético), onde dois polos já podem ser identificados: o colaborativo e o competitivo (esquerda x direita?). Infelizmente, os trapaceiros povoam ambos os polos.
Nossa, concordo totalmente… é isso aí e, a frase final: cruel e perfeita.
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Thanks for reading, and interacting!
Cláudia, muito interessante o texto!
Queria compartilhar uma opinião minha:
Ao meu ver esse predomínio da lógica do gene egoísta tem catalizadores que vão além do biológico no caso dos homens: nossos valores morais sobre o conceito de família alimentam essa tese e legitimam varias situações de escolha entre não-parentes e parentes. Apesar de sermos conscientes quanto ao gene egoísta, Temos, de certa forma, validada essa política relacional por conta de valores éticos mais praticados no nosso cotidiano.
Engraçado que as virtudes morais e valores éticos mais justos, que promovam a igualdade, a solidariedade, a verdade indiscriminadamente, também são cultivados por essas mesmas famílias. Nossos pais (com tristes exceções) nos ensinam a sermos corretos, a respeitarmos os outros, sermos justos,… mas prevalece o valor mais imediato (ou primitivo): a preservação do gene, ou no sentido moral, a preservação da família.
Acredito que diante dessa nova ordem social em que o individualismo tem aumentado, surgiu uma nova situação em que a família não é tão monolítica quanto aos valores (atualmente a ideologia patriarcal não rege com a mesma unilateralidade nossos lares). Não sei se essa constatação é um equívoco meu, ou o paradoxo tem seu grau de verdade, mas apesar dos maldizeres quanto ao individualismo, a pessoa consciente de sua “unicidade” (não sei se essa é a melhor palavra para o que quero dizer) e livre da dependência afetiva muitas vezes super-estimadas nas relações pessoais, parece ter maior aptidão para compreender os valores mais universais, como a solidariedade por exemplo, e ter uma conduta mais condizente com esses preceitos de forma indistinta.
Só que tem o seguinte: sem uma educação e uma cultura adequada tudo isso cai por terra!
A consciência sobre a nossa própria liberdade, a nossa unicidade e os valores éticos que nos norteiam como ser social transcende o gene egoísta. Munido disso podemos praticar o amor e a solidariedade de forma muito mais coesa.
Mas se praticamos o individualismo pautado no egoismo e na competitividade selvagem do mundo moderno com seres pouco engajados politicamente e imersos em suas próprias atribulações, não poderemos esperar nenhum fruto benéfico à sociedade. Aí o gene egoísta prevalece e acabamos balizados pelas mesmas regras que regem até hoje as ervilhas de Mendel!
Kleber,
Você pode ser consciente do gene egoísta, mas a maior parte esmagadora dos homens não são… Eu mesmo fui perceber isso tudo faz menos de 10 anos. Essa teoria deveria ser ensinada na escola no lugar de muitas outras coisas tão desnecessárias. Concordo totalmente com o que diz a respeito da consciência de unicidade que leva a um ser melhor, altruístico, mas discordo de que o individualismo esteja aumentando… veja o novo livro do Steven Pinker (The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined) sobre o declínio da violência no mundo em comparação a qualquer outro passado de nossa história. Evoluímos em doses muito homeopáticas, mas evoluímos… e isso que conseguimos foi fruto de educação, mas ainda é preciso muito mais! E essa educação que nos leva ao seu último parágrafo, perfeito por sinal!
Super obrigada pela leitura e pela discussão!
Claudia.
Oi Claudia! Finalmente consegui ler seu artigo, seu amigo aqui sempre teve dificuldades com leituras longas, deve ser a presença de alguns genes preguiçosos no meu humilde corpinho…
Confesso que é uma visão que ainda não havia explorado e que naturalmente deva ter seu embasamento científico.
Certamente creio que os genes comuns entre familiares deva exercer uma função de aproximação e proteção mútuas mas ainda assim acredito que como seres pensantes temos o poder de fazer nossas escolhas e buscar, independente dos genes que possuímos, amar, doar, viver, etc. com todos aqueles que nos cercam, sejam amigos, colegas e claro nossos entes familiares, acredito que temos a força e capacidade de trabalhar individualmente nosso egoísmo de forma a minimizá-lo ao máximo e rebater toda e qualquer genética podre que trazemos ou que desenvolvemos. Por outro lado podemos ver também no dia-a-dia exatamente o contrário entre entes familiares, seres que se detestam, que competem entre si incansavelmente e que muitas das vezes se mostram muito mais egoístas com entes da família do que com os outros. Por isso e mesmo assim creio na nossa força de vontade pessoal de buscar sempre sermos pessoas melhores, sejam com nossos amigos assim como nossos familiares, isto é uma escolha sobretudo nossa.
Valeu a leitura, meus genes egoístas que se cuidem pois comigo eles terão uma batalha contínua e vão ter cada dia menos espaço no meu organismo rsrsrs, e meus genes da escrita vou te falar viu, não me deixam em paz, nunca consigo escrever pouco rsrsrs
Delio,
Obrigada pela leitura e comentário. Acho que o mais importante é o fato de criarmos a consciência desse egoísmo nato e, como vc diz, darmos cada vez menos espaço para os genes egoístas. Ainda mais vc que tem 3 filhas… e educá-las com essa consciência faz toda a diferença!
Claudia.
Bom dia Claudia, estava pesquisando um pouco mais sobre genes egoístas e acabei encontrando seu blog…
Tenho algumas dúvidas sobre o assunto e provavelmente você conseguiria me responde-las com clareza…
Sera que você poderia me enviar um e-mail para que eu pudesse conversar um pouco com você sobre isso?
Hanna,
Meu site: http://feitosa-santana.com/
Meu email: claudia@feitosa-santana.com
Aguardo seu contato.
Claudia.
Muito curioso. Desencadeou em mim o desejo de ler mais sobre o funcionamento dessa fantástica ” máquina” chamada de cérebro. Obrigado por compartilhar professora.